Olhos abertos

Isabel Cunha Cabral

Redação ganhadora em 4º lugar, categoria infantil,

da 13ª Olimpíada de redação da Prefeitura de Jundiaí

 

Nunca fui um garoto muito simpático, sempre preferi brincar com meus bonecos de ação ou meu videogame sozinho. Contudo minha mãe sempre afagava meus cabelos castanhos e me incentivava a convidar outros garotos para a brincadeira.

“Gentileza gera gentileza, meu anjinho” era o que ela sempre me dizia. E sempre fui assim, gentil, simpático e generoso com todos, até o dia em que ganhei o meu primeiro celular. A partir desse dia, tudo mudou.

Quando conheci o mundo da Internet, um universo repleto de redes sociais, me isolei de tudo que me cercava, família, amigos da escola, vizinhos, de todos! Assim como minha simpatia, minha gentileza e altruísmo se acabaram com o tempo.

Eu não saia do celular, era celular de manhã, à tarde, à noite, no almoço, no banho e em qualquer lugar que possa imaginar! Eu parei de conversar e olhar para as pessoas e para o mundo, porém nem havia percebido. Até o dia que algo aconteceu e mudou minha vida completamente.

Estava andando normalmente pelas ruas frias de julho, a caminho da escola. Mal percebia o cheiro do pão fresquinho da padaria ou o som dos pássaros, que cantarolavam uma canção de bom dia. Fazia o caminho normal para a escola, vidrado na tela do celular.

Quando estava prestes a atravessar a rua, sem nem mesmo olhar para os lados, um home bem vestido, com rugas de idade no rosto, puxou com força meu capuz, me fazendo cair sentado na calçada e derrubar meu celular no asfalto.

No momento que a última sílaba de seu aviso de “cuidado!” soou, um ônibus passou a toda pela avenida. Sua roda encostou em meu celular, fazendo o mesmo bater com foça na calçada e ficar com a tela trincada. Meu coração disparou, comecei a suar frio e meu olho direito começou a piscar sozinho, eu estava banhado em ira.

Enquanto o senhor se preocupava se eu estava bem, eu gritava com ele por ter me feito trincar a tela do meu celular. Assim, quando minhas palavras acabaram, ele disse “Pelo visto deveria ter salvado seu celular… depois dessa, garoto, você deveria andar de olhos abertos para o mundo e aprender a ser mais gentil!”.

Quando levei o celular para consertar, esbarrei em uma garota e derrubei seu livro. Lembrando-me da frase daquele senhor, peguei o livro para ela, mesmo estando na pressa. Ela me agradeceu, e cada um de nós seguiu seu percurso. O homem da loja disse que o conserto levaria dez dias, no mínimo. Segurando a raiva, agradeci a ele com um sorriso forçado e voltei para casa.

Nos dias seguintes, comecei a observar mais as pessoas no caminho da escola. Sempre havia as mesmas pessoas, fazendo as mesmas coisas, o padeiro dando alguns pães para o leiteiro, um casal sentado no banco e… uma senhora cheia de sacolas procurando as chaves de sua casa.

Aproximei-me dela, com seu vestidinho rosa florido, e perguntei se precisava de ajuda. Assim, segurei suas sacolas pesadas enquanto ela entrava em casa.

Quando passei pela padaria, vi uma família desabrigada, olhando com desejo os pães recém-saídos do forno. Parei para comprar alguns pães e dei para a família, que agradeceu com sorrisos. Cada sorriso era como uma luz no meu dia, o que me deu mais vontade de ajudar, cada vez mais, as pessoas.

Os dias se passavam e todos nos bairros de casa até a escola me conheciam como “gentil” ou “aquele garoto que ajuda as pessoas”. Percebi que era muito mais feliz quando deixava as teimosias e tecnologias de lado e ajudava quem precisava.

Todos os dias me lembrava da frase que aquele senhor me disse e aquilo sempre me inspirava a fazer, no mínimo, uma boa ação por dia. Aquela experiência mudou a maneira como eu olhava para o celular, o que me fez vendê-lo após o conserto. Não queria mais me aprisionar àquele aparelhozinho e viver de olhos fechados. Queria ter, para sempre, os olhos abertos para enxergar  as gentilezas do mundo.

Todos nos bairros pelo caminho da escola acabaram se tornando mais simpáticos e gentis uns com os outros, aquela senhora sempre tinha alguém para ajudá-la com as compras e aquela família já não passava fome. As pessoas passaram a abrir seus olhos e perceber que o que mais precisavam para serem felizes era compartilhar sua alegria.